Momento de Escolha

Momento de Escolha

2 de junho de 2002

A cena era esta:
– Pilatos sentado no tribunal para julgar um homem, denominado Cristo, que se dizia Rei de um reino que não era deste mundo e que viera dar testemunho a Verdade.

– A multidão enceguecida, comandada pelos principais sacerdotes e anciãos do Templo mais respeitado da época – o Templo de Jerusalém.

– O réu, silencioso e pacífico, compreendendo a posição de cada componente deste cenário e convicto de sua missão na Terra.

– Um prisioneiro chamado Barrabás, considerado perigoso pelos seus crimes contra as pessoas e contra a organização política e social vigentes.

– A esposa de Pilatos, Cláudia Prócula, interferindo a favor do réu, movida por um sonho que tivera naquele mesmo dia do julgamento.

Pilatos
Pilatos era Procurador da Palestina, região de conflitos desde há muito tempo, sendo a ponte entre o Egito e a Síria, e controlada pelo imperador. Considerado bom administrador, foi escolhido por Herodes, o Grande. Sua função era administrar a área militar e judicial da província, escutar os problemas da população, supervisionar o recolhimento dos impostos, sem, contudo, poder para aumentá-lo. Estava proibido de receber subornos e regalias e o povo, caso houvesse algum exagero em sua administração, poderia denunciá-lo ao imperador.

Seu governo na Palestina foi marcado por incidentes que o deixou antipatizado pelos judeus. Um deles foi quando Pilatos visitou Jerusalém pela primeira vez. Era hábito dos governantes romanos, em respeito aos costumes judeus, ao entrarem na cidade ordenavam aos soldados que baixassem os estandartes que traziam o busto de metal do imperador na extremidade, já que os judeus só adoravam a Deus. Pilatos não teve essa consideração, apesar dos insistentes apelos dos moradores. Houve um pequeno conflito, quando a população judia foi ameaçada de morte. Eles não se atemorizaram: deitaram quase despidos e ordenaram que os soldados de Pilatos os matassem. Seria comprometedor para sua carreira se houvesse esse massacre. Então Pilatos recuou e passou a fazer como os governantes anteriores faziam.

Outro incidente foi relacionado ao aqueduto em Jerusalém. Por ser deficiente a distribuição de água da cidade, Pilatos construiu um novo aqueduto. Só que usou os recursos do tesouro de Templo, que não eram pouco. Houve novo conflito, dessa vez com morte de vários judeus.

E assim, Pilatos ia desrespeitando os costumes religiosos de um povo, que uma vez já o denunciou aos superiores, gerando um clima de mal-estar, de insatisfação. Corria o risco de ser deposto do seu cargo, que ele tanto prezava, caso houvesse novas queixas aos seus superiores.

A multidão
E o povo estava ali, na sua frente, clamando que ele condenasse um Homem que não tinha culpa nenhuma, que transmitia uma serenidade que o deixava perplexo, um Homem possuidor de uma dignidade de Rei!

A multidão, comandada pelos principais sacerdotes do Templo da Cidade Santa, não suportava mais conviver com aquele Nazareno de superior hierarquia espiritual. Sentiam-se humilhados com a Sua presença, desnudados os seus interesses escusos, impossibilitados de realizar o que ele fazia com naturalidade e amor incondicional, extremamente distanciados dos Seus pensamentos, conhecimentos e sentimentos…

O réu
O réu, Jesus, também chamado o Cristo, conhecia bem o íntimo de todos eles… Sentia compaixão pelos seus desvarios, mas compreendia o estágio de imaturidade em que se encontravam. Nascera exatamente para revelar o destino que os aguardavam, a amorosidade do Pai que conduzia seus filhos por caminhos de aprendizado, de crescimento e de luz… Todos, um dia, seriam iguais a Ele, Jesus; fariam tudo o que Ele fazia e mais ainda. A paz profunda e imperturbável que Jesus possuía, também estaria no coração da multidão: era uma questão de tempo. E o tempo Ele contava de forma diferente. A luz que dele irradiava todos tinham no seu interior – estava apenas oculta por camadas mais ou menos espessas, aguardando oportunidade para se manifestar. O ser humano é luz, ensinava Ele.

Jesus sabia que estava indo para o sacrifício da cruz. Era, segundo alguns, o último estágio de uma iniciação que o engrandeceria ainda mais. Sabia também, que se revelaria aos seus discípulos, aparecendo entre eles como se a morte não existisse, como de fato assim é, com toda aparência de corpo material, o que lhes daria alento e marcaria por toda a eternidade, fazendo-os compreender a imortalidade da alma, a veracidade dos seus ensinamentos, a certeza do amor infinito do Pai. A sua volta ao mundo físico após a crucificação deu um atestado que nenhum profeta ou enviado deu antes, eternizando e expandindo para toda a Terra a sua mensagem.

O prisioneiro
Barrabás, que significa “filho de pai”, cujo nome completo era Jesus Barabbas, era um criminoso revolucionário, que, segundo alguns, havia jurado libertar os palestinos do domínio romano, ainda que para isso fosse necessário usar da violência, de roubos e assassinatos. Era um famoso prisioneiro.

A esposa de Pilatos
Cláudia Prócula, considerada santa pelas igrejas gregas e etíopes, era, por certo, iniciada nas doutrinas esotéricas da época, dando especial atenção às mensagens reveladoras dos sonhos.

Segundo Mateus, ela tivera um sonho onde percebera a grandeza de Jesus de Nazaré, assim como sua missão e sacrifício. Compreendendo a importância daquele julgamento, sofre com o possível comprometimento do seu esposo, e se aflige a ponto de enviar um mensageiro, advertindo-o.

Pilatos, lembrando de um outro sonho histórico, quando Calpúrnia sonha com Júlio César coberto de sangue e lhe suplica para não sair de casa. Ele não lhe atende e sai, sendo assassinado. Então Pilatos declara que não vê culpa nenhuma no acusado, lava as mãos e entrega o réu aos judeus para que eles o crucifiquem… É importante para Pilatos não perder o seu posto de comando.

Trazendo esse cenário para o nosso mundo interior, podemos perceber a figura de Pilatos como a personificação do nosso Ego, da nossa personalidade, aquela parte de nós que conhecemos no dia-a-dia, que se relaciona com a vida material e que é conhecida pelos demais.

A multidão, comandada pelos principais sacerdotes do Templo, são as nossas sombras, os nossos aspectos desconhecidos que jazem na escuridão do nosso inconsciente, herança das experiências mais primitivas que de vez em quando nos surpreendem e nos puxam para baixo… São a representação dos nossos interesses mais materiais: “O corpo é o Templo onde o Espírito Santo habita nele”, como diz o Evangelho.

O réu, tão espiritualizado quão incompreendido, é a nossa individualidade, a essência, a centelha divina que brilha em cada um de nós. A paz, a harmonia, o poder curador, a perfeita compreensão das coisas e das criaturas do mundo e o amor sem limites, incondicional, estão aí representados e fazem parte do Ser.

Barrabás, é a nossa subpersonalidade eleita, aceita, conveniente. É a sombra que a maioria tem e deseja livre para se manifestar, sem ofender nem envergonhar os demais parceiros evolutivos. É aquilo que “todo mundo faz porque ninguém é santo”…

A esposa de Pilatos personifica a ânima, o feminino que habita o interior do homem. É a mensageira da sabedoria, do mundo espiritual elevado. Pode ser também o símbolo da intuição, essa capacidade inerente ao ser humano que serve de ligação entre o material e o espiritual e que quase sempre não lhe damos ouvidos.

Enquanto estamos na vida aqui na Terra, periodicamente passamos por avaliações para galgarmos patamares mais elevados em nossa experiência evolutiva. São momentos decisivos e conflitantes.

Uma parte de nós quer a paz, a sabedoria, o amor puro e grandioso… Outra parte em nós ouve o clamor daquilo que estamos acostumados a viver, que a maioria vive… E se rebela gritando, tomada pela energia que percorre contagiando a multidão de seres ancestrais que vibram no íntimo do ser, exigindo que seja sacrificada a parte de luz que ainda incomoda, por julgarmos ainda inacessível e distante, longe dos padrões aceitos pela maioria das pessoas que convivem conosco…

Como diz Emmanuel, elevar-se aos cimos produz solidão, pois quem nos escutará estando na planície?

Prestemos atenção aos momentos em que viveremos um julgamento desse tipo. Esforcemo-nos para absolver o réu pacífico e pacificador a fim de que a Terra se ilumine e se deixe penetrar por um alo de paz, repleta de amor e de compaixão.

Maio/junho/2002

Celeste Carneiro

Bibliografia:
Novo Testamento- Mateus: 27:15-23
Sabedoria do Evangelho, vol. 8 – C. Torres Pastorino
El Nuevo Testamento – William Barclay
Jesus no seu tempo – Daniel Rops
Fonte Viva, cap. 70 – Emmanuel
Obras da Psicologia Junguiana e da Psicossíntese de Roberto Assagioli

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